segunda-feira, 18 de julho de 2016

SILVA JARDIM, ANTÔNIO-

              

                       Antônio da Silva Jardim

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Antônio da Silva Jardim
Autorretrato de Silva Jardim
Nascimento18 de agosto de 1860
CapivariRio de Janeiro
Morte1 de julho de 1891 (30 anos)
NápolesItália
Nacionalidade Brasileiro
OcupaçãoAdvogado
Antônio da Silva Jardim (Capivari18 de agosto de 1860 — Nápoles1 de julho de 1891) foi um advogadojornalista e ativista político brasileiro, formado na Faculdade de Direito de São Paulo.
Teve grande atuação nos movimentos abolicionista e republicano, particularmente no Rio de Janeiro, na defesa da mobilização popular para que tanto a abolição quanto a república produzissem resultados efetivos em prol de toda a sociedade brasileira.

Biografia

Nasceu na Vila de Nossa Senhora da Lapa de Capivari, atual sede do município que hoje leva o seu nome(hoje Silva Jardim, Comarca de Rio Bonito, estado do Rio de Janeiro). Foi filho de Gabriel da Silva Jardim e de D. Felismina Leopoldina de Mendonça, neto paterno de Antonio da Silva Jardim e de sua mulher D. Luciana Maria e materno de Leandro Freire Ribeiro e de sua mulher, D. Lauriana Leopoldina do Amor Divino. Seu pai foi um modesto professor em Capivary e lecionava em seu próprio sítio em condições modestas. O menino Tonico cresceu pequeno, magro, com aspecto doentio, conseqüência de febres palustres que contraiu aos dois anos. Em troca, era conhecido pela inteligência viva e aguda. Aos cinco anos aprendia as primeiras letras, com o auxílio de um menino mais velho, aluno de seu pai. Aos seis, lia, escrevia e passava horas estudando. Aos oito substituiu o pai doente, dando aulas com "gravidade e eficiência", como então se comentou. Enviado para Niterói para que pudesse estudar,com treze anos foi aluno, inicialmente no colégio Silva Pontes. Mais tarde, matriculou-se no Colégio de São BentoA viagem diária de casa ao colégio, utilizando a demorada barca, esgotava-o, e a varíola acabou por atacar seu frágil organismo. Enquanto se refazia, o colégio em que estudava fechou e, autorizado por seu pai, mudou-se para o Rio, em 1874, matriculando-se no Mosteiro de São Bento,  tendo estudado português, francês, geografia e latim. Como os estudantes da época, vai morar numa república, e ingressa na política através do jornalismo: com os colegas, redige um jornal estudantil, o Labarum Litterario, e aí publica um pequeno artigo sobre Tiradentes, no qual elogia a rebeldia contra o absolutismo. Antônio tinha, então, quinze anos. ajudou a fundar um jornal estudantil denominado O laboro literário, onde iniciou sua vida política e sua luta pela liberdade.
Em 1877, o pai envia-lhe 300.000 réis e, com essa quantia, Antônio da Silva Jardim embarca para São Paulo para cursar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Estudando com dificuldades financeiras, já que seu pai não possuía muitos recursos para sustentá-lo, mudou de residência e de escola, matriculando-se no externato Jasper. Procurou trabalho para poder pagar seus estudos e, depois de alguns empregos menores, foi chamado para trabalhar no próprio externato.
Partiu para São Paulo e foi estudar na Faculdade de Direito de São Paulo. Logo entrou no clima político da faculdade onde as ideias republicanas e a campanha abolicionista já faziam parte de debates no parlamento.
Silva Jardim inicia uma grande atividade jornalística. Adere aos republicanos e escreve, juntamente com Valentim Magalhães, Idéias de Moço; depois redige, influenciado por Byron, O Grito na Treva; compõe folhetins literários para aTribuna Liberal; publica Bardos da Inconfidência e Crítica de Escada Abaixo na revista Direito e Letras; e um trabalho - Gente do Mosteiro - no qual critica os costumes acadêmicos da época. Pouco a pouco, ainda estudante, Silva Jardim vai se tornando uma figura conhecida e polêmica.
Envolveu-se completamente na campanha pela república, chegando a vender sua banca de advogado e dissolver sua sociedade com Martim Francisco. Sua vida se dirigiu para os comícios em prol da república e viagens constantes entre os estados de Rio de JaneiroSão Paulo e Minas Gerais.
Conhece a família do Conselheiro Martim Francisco de Andrada, figuras de grande destaque na sociedade paulistana. E é na família liberal de Martim Francisco que Silva Jardim vai encontrar a que seria sua esposa.
Liga-se a Luís Gama e José Leão, não apenas para pregar idéias abolicionistas, mas para organizar, na prática, fugas de escravos. Em maio de 1883, casa-se com Ana Margarida. 
Passa a advogar, dedicando-se, principalmente, à causa dos escravos.



Modelo de bandeira brasileira proposto por Silva Jardim
Em 1885 morre seu sogro, Martim Francisco. O cunhado, Martim Francisco Júnior, herda do pai um escritório de advocacia em Santos e convida Silva Jardim para seu sócio. Transfere-se então para Santos.
- Desta vez acertei na escolha do lugar e da profissão - escreve ao pai. 
Embora levando uma vida modesta, Silva Jardim considera esse o período mais feliz da vida. Residia numa pequena casa da Praça Mauá, com a esposa, o filho e o cunhado. Aos domingos, visitava Henrique Porchat, na ilha de sua propriedade. Às vezes, fazia conferências, e nelas ia desenvolvendo suas idéias em prol da Abolição de da República.
Certa feita, participou de uma reunião republicana, e, como orador escolhido, recordou dois nomes da Revolução Francesa: Danton e Condorcet. Dias depois, a 14 de julho de 1887, nascia seu segundo filho, a quem chamou de Danton Condorcet.
Sua participação política e a defesa de uma ação republicana afastam-no dos positivistas, meramente teóricos, chefiados em Santos por Miguel Lemos, e que julgavam desnecessária a propaganda republicana.
 Em janeiro de 1888, na Província do Rio Grande do Sul, a Câmara Municipal de São Borja, diante das notícias de que o imperador havia sido acometido de moléstia talvez incurável, propõe que se aprove moção sugerindo um plebiscito nacional para decidir quanto à conveniência da sucessão no trono da Princesa Isabel, esposa do Conde d'Eu.
 O fato tem enorme repercussão na Corte e nas províncias. Em São Paulo e no Rio as câmaras municipais e assembléias provinciais repetem a moção.
Antônio da Silva Jardim  resolve organizar um comício de desagravo e solidariedade aos vereadores de São Borja. Marca a data de 28. Sabia que estava arriscando a vida, mas achava mais importante assumir uma posição clara. Quando, diante das 2 mil pessoas reunidas no Teatro Guarany, inicia seu discurso, sente que pode ir animando a voz e as idéias, sob o olhar geral de aprovação.
Seu discurso é violento: a pátria está em perigo. Analisa longamente os Bragança e os Orléans. Passa em revista o estado de saúde de Pedro II, o seu reinado e o de seu pai, a dinastia, o Conde d'Eu, o liberalismo no ocidente e no Brasil, a personalidade da Princesa Isabel.
"A Pátria - diz - está ameaçada de perder o regime de liberdade pela usurpação de um príncipe estrangeiro, expulso de sua terra, o sr. Conde d'Eu". Mostra como as vicissitudes pessoais dos soberanos podem, em razão do regime monárquico, pesar sobre toda a nação brasileira. E pergunta, afinal: "Mas que tem a Pátria com essas desgraças de família para sofrer-lhes eternamente o peso e os destinos?"
A escravidão também é alvo da oratória inflamada de Silva Jardim:
"Já causa piedade e asco ver que ainda tratamos disso. Uma única lei de emancipação resolveria: essa lei teria dois artigos: 1º - fica abolida a escravidão no Brasil; 2º - pedimos perdão ao mundo de não tê-lo feito há mais tempo".
Termina o discurso propondo uma moção de apoio aos vereadores de São Borja e de protesto contra a repressão do governo. Sua proposta é recebida por uma torrente de aplausos.
O comício de Santos repercutiu em todo o País. Não só modificou o panorama da campanha republicana - seus defensores agora sentiam que havia acolhida popular para suas idéias -, como também abalou a vida de Silva Jardim. Definitivamente, era um homem que pertencia a uma causa pública. Seu discurso é transcrito nos jornais republicanos de São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul e Pernambuco. O obscuro advogado do foro santista transforma-se numa figura de projeção nacional. Tem apenas 28 anos mas passa a ser o orador mais solicitado nas campanhas republicanas.
(...) Volta a Santos e encontra a cidade fervendo em torno de mais um episódio da chamada "questão militar". Um capitão-tenente da Marinha fora preso e espancado pela polícia, que diziam estar sob o controle pessoal do Conde d'Eu. Habilmente, Silva Jardim aproveita-se das contradições existentes entre as próprias forças governamentais, para novamente investir contra o regime: marca um comício para 5 de março, data em que deveria estar no porto o encouraçadoBahia. Sobe a bordo do navio de guerra e convence os marinheiros a aderir ao comício, ao lado do povo e dos negros libertos.
(...) A 13 de maio é, finalmente, promulgada a lei de libertação dos escravos. Em todo o País comemora-se o fato, Santos especialmente, onde a população sempre ajudara a defender os negros que fugiam para o Quilombo do Jabaquara.
Silva Jardim associa-se às comemorações do júbilo popular, mas, republicano, procura evitar o excessivo louvor à Princesa Isabel. Para contrabalançar o entusiasmo dos libertos pela família real, Silva Jardim compõe uns versinhos, que passam a ser cantados pela população em festa nas ruas:
            
     
                   Valentim Magalhães e Silva Jardim
Em sua militância, foi aclamado, apedrejado, perseguido e elogiado. Sua saúde - desde a infância, por causa do impaludismo, sempre frágil, se ressentia dessa vida agitada, mas não impedia sua constante atividade política. Com a proclamação da república, o exército, que não se sentia ligado aos civis que tanto haviam lutado por sua proclamação, deixou-o de lado.
Candidatou-se ao congresso no Distrito Federal e foi derrotado. Decidiu, então, retirar-se da política e viajar para o exterior para descansar, clarear as ideias e conhecer gente nova e novos lugares.
Isabel não teve medo
Assim é!
Viva o senhor João Alfredo
Olaré!
Acabou-se a escravidão
Assim é!
Viva o Santos Garrafão
Olaré!
A cousa segue com tino
Assim é!
Viva Lacerda
QuintinoOlaré!
E foi sem susto maior
Assim é!
Viva, pois, nosso major!
Citando em seus versos outros personagens da campanha abolicionista, Silva Jardim diminuía o papel de Isabel: João Alfredo fora o ministro a propor à regente a assinatura da lei; Santos Garrafão era a alcunha de Santos Ferreira, velho batalhador abolicionista, muito conhecido em Santos; Lacerda Quintino (N.E.:Quintino de Lacerda) era o chefe do Quilombo Jabaquara, e "nosso major" era o chefe da Polícia de Santos, que fora flexível no trato aos negros fugidos.
Da sacada do Clube Republicano, Silva Jardim faz um discurso e mostra que a obra não estava acabada: era preciso chegar à República. Os santistas respondem com um estrondoso viva à República.
Para realizar sua campanha pela República, Silva Jardim dissolve a sociedade com Martim Francisco e vende sua parte na banca de advogado por 500.000 réis
 A 15 de novembro de 1889 é proclamada a República. Não como previra Silva Jardim. E o Exército, que fizera a República, não se sentia necessariamente comprometido com todos os líderes civis que a haviam preparado. Silva Jardim, que se afastara do Partido Republicano por propugnar uma participação mais popular e direta durante a campanha, agora que a República está instalada, vai sendo progressivamente alijado do processo político.  Desgastado e desgostoso, Silva Jardim retira-se da vida política. Quer se aprofundar nos estudos. Decide ir à Europa.

Aos 30 anos de idade, visitou Pompeia, na Itália e, curioso por conhecer o vulcão Vesúviono dia 1º de julho de 1891 quer ver o Vesúvio, estar em Pompéia e não ver o Vesúvio era coisa que não passava pela cabeça de Silva Jardim e de Carneiro de Mendonça. Ambos sobem.
 Aproximam-se da borda da cratera. Nesse exato momento, manifesta-se o ponto crítico da erupção, o solo sacode num tremor convulso, eles tentam recuar. Carneiro de Mendonça consegue, mas o chão fende-se por trás de Silva Jardim, que é tragado pela cratera do Vesúvio, sem um grito, uma palavra, uma demonstração de medo - não se sabendo se foi um acidente ou um ato voluntário.
De acordo com reportagem do jornal "A Pátria Mineira", de 30 de julho de 1891, da cidade de São João del Rei, acessível por meio do sítio do Arquivo Público Mineiro, a morte de Silva Jardim teria sido um acidente, testemunhado por um guia e seu amigo Joaquim Carneiro de Mendonça. Segundo o relato, o jornalista teria sido engolido por uma fenda junto ao Vesúvio, do que se salvou, ferindo-se, Carneiro de Mendonça, que fora auxiliado pelo guia local. O jornal menciona a fonte das informações como a "Carta Parisiense", de Xavier de Carvalho, dirigida ao "Paiz".
Em homenagem ao jornalista morto, foi determinado que o município fluminense de Capivari, vizinho a Araruama e Rio Bonito, passaria a ter o atual nome de Silva Jardim.
Da morte de Silva Jardim, declarou José do Patrocínio : Extraordinário o destino do grande brasileiro: até para morrer, se converteu em lava.
Sua cidade-natal foi renomeada para homenagear o filho ilustre.
O então distrito de Ilha Grande, hoje município de Jardinópolis, foi renomeado em 1896, em homenagem a Antônio Silva Jardim, por seu fundador, Domiciano Alves de Resende.
       Bela sepultura o vulcão, extraordinário destino o do 
     grande brasileiro; até para morrer converteu-se em lava.
(José do Patrocínio, O Seculo, 12/7/1891)
O Vesúvio curioso quis saber dele como é que irrompem
dos grandes vulcões sociais, dessas crateras que se abrem
surdamente na terra da política, essas erupções medonhas
de lavas e de cinzas, de fogo que tudo purifica, e de
lama que tudo mancha, que se chamam Revoluções.
(Pinheiro Chagas, O Paiz, 20/7/1891)
Silva Jardim, o apóstolo que a República esqueceu
Durwal Ferreira (*)
A luta começa a tornar-se sombria, mais próxima do apostolado possível do martírio, que do triunfo político; mas isso não me preocupa. Toda a existência é cercada de um certo conjunto de fatalidades; e antes morrer assim, mesmo sendo lapidado como S. Estevam, como parecem pretender esses infiéis, do que inglória e indignamente esticar a canela na burguesa pacatez de um estômago bem conservado".
Silva Jardim
Quem com vagar, com o sentido de estudar os homens, as coisas e os fatos da História Pátria, percorrer o evangelho pelo qual se aumenta a soma de conhecimentos do Passado, queda-se pensativo, recalcando na flagrante injustiça dos homens para com os homens.
Algures, ante a ingratidão e o fanatismo de autores, sopitam a inquietação do juízo parcial; outros, porém, dedicam-se abnegadamente às fontes cristalinas dos arquivos, para a contestação formal das inverdades e fazer surgir aos olhos públicos pessoas e fatos para a veneração e culto dos pósteros.
Silva Jardim - Antonio da Silva Jardim, nascido a 18 de agosto de 1860, filho do sr. Gabriel da Silva Jardim e de d. Felismina Leopoldina de Mendonça Jardim - foi uma das vítimas da indiferença de certos escritores que se tornaram oficiais.
Entretanto, era ele o pregador impoluto realçando e convencendo das virtudes e bênçãos da República - República maculada pelos adeptos de última hora e falsos republicanos, que fez Benjamin Constant dizer esta frase lapidar: "Esta não foi a República sonhada!".
Foi o Apóstolo, na sua expressão concreta, indiferente ao perigo iminente de toda campanha encetada e sempre na vanguarda, sendo alvo predileto dos fanáticos, adversários, ferindo-se como o general Osório na frente da tropa na guerra contra Solano Lopez, e não no regalo da retaguarda mastigando bolachas como o conde D'Eu - candidato ao terceiro reinado por morte ou abdicação de d. Pedro II.
A ardência do entusiasmo emprestada à causa republicana não foi o quociente da sua estuante juventude: porque moço morreu ele, aos trinta e um anos de idade. Essa a impressão dos que não se detiveram no estudo da personalidade vigorosa de Silva Jardim. Quando se decidiu a fazer a propaganda de um novo regime, já o havia estudado em todos os seus detalhes, não com os olhos de moço arrebatado, mas, sim, convicto, inteiramente integrado da formosura e pureza da República.
Com a perfeição indiscutível de sacerdote, saiu, ele, pelo país afora a proclamar as excelsitudes do ideal republicando, fazendo essa peregrinação totalmente a expensas próprias, causando-lhe situação precária a que o partido e os correligionários, como recompensa, voltaram-lhe as costas. E aí se vê a sublimidade do caráter de Silva Jardim, que, sem dar a perceber o labéu dos fariseus, prossegue na jornada com o mesmo sentimento, a mesma crença e o mesmo amor!
Examinando-se, pois, perquirindo-se a obra e a sinceridade desse propagandista admirável, duas prerrogativas lhe são concedidas pela imposição da Justiça: profeta republicano, porque em 1888 declarou - "A Revolução Brasileira está destinada à cidade do Rio de Janeiro. E deve estar, pujante e vitoriosa em torno dos paços ministeriais e do palácio de São Cristóvão, no ano de 1889. O ano de 1889 vai ser para o Brasil o ano excepcional"; único fator moral e doutrinário da queda da Monarquia, porque soube de modo categórico, convincente e altruístico concorrer para a instituição da República na pátria brasileira, "bastando dizer que em ato 13 de maio (88) se tinham organizado uns sessenta clubes republicanos e desta data até novembro de 89 organizaram-se uns oitenta".
"De Santos, acompanhando o Conde D'Eu, através do Norte, arriscando a vida, em propaganda libertária, um ano antes de 15 de Novembro, saiu à aventura o apóstolo Silva Jardim, tendo, na minha própria residência, em palestra calorosa, marcado a data exata da proclamação da República, filha do Centro Democrático Santista".
Martins Fontes
Santos, desde o seu primórdio, fora sempre uma catedral de grandes ideais e de grandes idealistas, sob cujo lema, sabiamente adotado pelo governo municipal, interpreta a tradição do seu povo - Patriam Charitatem et Libertatem Docui (À Pátria ensinei a liberdade e a caridade). Abrigaria, também, mais um paladino que, aqui iniciando a propagação republicana, haveria de revolucionar todo país, contribuir, esmagadoramente, para o advento da República.
Esse Apóstolo era Silva Jardim, casado com Anna Margarida - "tipo de bondade, doçura, prudência, bom-senso e beleza, aliadas a uma instrução pouco vulgar e a uma educação corretíssima", dissera, quando noivo, em carta a seu pai e amigo - casado com Anna Margarida, uma das filhas do dr. Martim Francisco de Andrada, célebre lente de direito eclesiástico na Faculdade de São Paulo, e, na companhia deste, depois de bacharelado, seguir carreira.
Falecido Martim Francisco, seu filho, também Martim Francisco, advogado em Santos, convidou o cunhado para juntos trabalharem. Aceito o oferecimento e aqui chegado, Silva Jardim, ao mesmo tempo que advogava, mantinha um externato, ao qual deu o nome de "José Bonifácio".
O país, nessa época, estava abalado por sérias questões políticas. Aumentou-lhe ainda mais infeliz iniciativa de um vereador de São Borja (Rio Grande do Sul) - que se consultasse a Nação sobre o sucessor de d. Pedro II por sua morte -, travando-se nas câmaras de deputados as mais renhidas lutas partidárias, cada qual a defender o que de justo e hostil emanava do político sul-riograndense.
Será essa questão, esse ambiente propício a Silva Jardim para se revelar, mais uma vez, ao povo, quando Francisco Lobo, radical republicano, vai ao seu encontro e convida para realizar, no Teatro Guarany, uma conferência política.
Ouvir-se-ia a voz sonora de um clarim a repercutir na enorme extensão territorial da Pátria; e as notas vibrando enérgicas, num ritmo marcial, penetravam fundo na consciência de todos, como que a dizer: "Patrício! Segue-me, para o teu bem e para o bem da tua Família; segue-me, como seguiram os Apóstolos a Cristo, porque terás, assim, Paz e Liberdade!".
Esse arauto da República - clarim miraculoso - vai dar início à jornada penosa e promissora, e não terá descanso, e lutará contra a Monarquia, e fazendo não ouvir os sussurros inquietadores do próprio partido atemorizado pela bravura, pelo estoicismo indômito do apóstolo Silva Jardim.
Chegou, enfim, o dia memorável - 28 de janeiro de 1888! O Teatro Guarany, pela primeira vez, abre suas portas para a campanha republicana; pela vez primeira, Silva Jardim marcha na pregação da reforma governativa. "Pátria em perigo", que foi a conferência inicial, retratou fielmente o caráter e a convicção vigorosos do seu autor, constituindo um acontecimento nunca visto; o grupo destemido dos republicanos santistas aumentou consideravelmente o número de seus componentes; São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Estado do Rio disputavam a presença de Silva Jardim.
E para atender a uns e outros, e para atender, mui especialmente, à causa que esposara, segue viagem para Limeira, Campinas, todas as cidades hoje zona da Central do Brasil, Estado do Rio, Rio de Janeiro, e vem para Minas Gerais.
Santos não podia suportar tão longa ausência e clama pela sua presença; quer ouvi-lo novamente. Desta cidade seguiria para o Norte também ansioso de ouvir o ardoroso orador, atestar que ele era "sempre entusiástico, sem jamais sair da argumentação teórica, sem ofensa pessoal". E no dia 12 de junho de 1889, a bordo do vapor Alagoas, tendo como companheiro de viagem o conde D'Eu, este em missão de propaganda monárquica. De nada valeram os rogos da família, dos amigos e dos correligionários, expondo-lhe a série de perigos a que se arriscava. Nada temia, porque a sua divisa era esta: "A morte para mim é um acidente da vida".
Os verdadeiros perigos iria enfrentá-los no Norte, e, como leve demonstração, menciona-se o desembarque de Silva Jardim, na Bahia, onde a famigerada "Guarda Negra" o esperava com instruções e ordens terminantes. Ouçamos a palavra do próprio Silva Jardim - "Pela ladeira do Taboão estavam colocadas grandes carroças com achas de lenha, que barbaramente atiravam sobre nós. - Onde está este Silva Jardim, que eu quero matá-lo - gritava um mulato, no meio da turba, brandindo um punhal".
Nessa época fazia individualmente a propaganda do ideal republicano, pois se afastara do partido devido à timidez dos chefes que só sabiam aconselhar "maior prudência e cautela nos meios e processos a empregar".
Um dia, o povo assiste grande movimento de tropas e a maioria dos militantes do partido republicano fazia esta pergunta: - "Que há?". Instantes após, uma única resposta: "A República está proclamada!"
Onde andará Silva Jardim? Esqueceram-se dele. Isto é, um só, um somente! - lembra-se do Apóstolo, porque fora sincero e puro na batalha. Esse é Benjamin Constant Botelho de Magalhães. A lembrança todavia, se fez tarde.
Serenados um pouco mais os ânimos, procede-se às eleições da Constituinte, "nas quais Silva Jardim foi votado em Minas, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, e que transcorreram debaixo da compressão e do suborno os mais revoltantes, vendo o seu nome, principalmente no seu Estado (Estado do Rio), preterido e anulado pela avalanche de adesistas e forasteiros que a Ditadura canalizara".
Mal nascera a República, já se achava corrompida. A desilusão amargou profundamente aos verdadeiros republicanos. Silva Jardim retira-se da Pátria, levando-a, entretanto, no coração. Exila-se para a França e da sua capital, em carta a seu pai e amigo, datada de 1 de janeiro de 1891, relata: "Acabo de percorrer a Holanda e a Bélgica, vou continuar os meus cursos de finanças e de estudos políticos na Escola Livre de Ciências Políticas, a correção de meus discursos e do meu livro de memórias e viagens, e os meus trabalhos sobre a política brasileira, ao lado do que se refere à minha profissão".
Entregue, como se viu, ao aperfeiçoamento da sua sempre invejada cultura, recebe, dos seus patriotas distantes, a maior e a mais bela demonstração de reconhecimento. Não pôde conter as lágrimas de alegria "quando recebeu a célebre representação do povo brasileiro, assinada por mais de três mil eleitores, na qual se lhe rogava voltasse à Pátria, entregue já às lutas da ambição política que em breve iria ensangüentá-la". Silva Jardim reflete: "A Pátria em perigo reclama os meus serviços: irei em sua defesa".
Prepara-se, Silva Jardim, para regressar ao Brasil. Antes, porém, mostrou desejos de apreciar o Vesúvio, e tanto se aproximou da cratera, no dia de sua visita, que o teve como sepultura desde o dia 1 de julho de 1891. Dessa trágica maneira desapareceu Silva Jardim, o Apóstolo que a República esqueceu.
(*) Do Centro de Cultura Paulo Gonçalves. Especial para A Tribuna.


          Silva Jardim: a República e o vulcão


Francisco Foot Hardman

NA CONJUNTURA DO final do século XIX a obra de Silva Jardim, em especial este volume tão impressionante e estranho que é o de suas Memórias e viagens (1891) – por ele concebido e organizado, mas surgido já postumamente –, vincula-se de modo trágico à sua morte precoce, aos 31 anos, tragado pela cratera do Vesúvio, pondo fim à utopia republicana das mais radicais dentre as que combateram pelo fim da escravidão e da monarquia, ele próprio por todos tido e havido como o maior propagandista e agitador político do novo regime, o qual levaria, pelas ironias do destino e pelos meandros da política de conciliação conservadora (entre militares, republicanos históricos e oligarquias agrárias) um de seus mais ardorosos artífices ao auto-exílio em Paris e ao abismo vulcânico em Nápoles.
Essa trajetória única em termos políticos e pessoais mantém, no entanto, elos significativos com outras experiências literárias e ideológicas daquele momento histórico. Trata-se do que tenho denominado de linhagem do "desencanto ou desilusão do progresso". Suas raízes mais remotas repousam em matrizes da concepção de mundo do romantismo, associadas de forma intensa a representações simbólicas do sublime. Nessa vertente, que acompanha de perto o vulcanismo de Silva Jardim, estão presentes escritores importantes, entre outros, Raul Pompéia (já em O ateneu, mas sobretudo em Canções sem metro); Gonzaga Duque (em particular, nessa obra esquecida e inovadora que é Revoluções brasileiras); Cruz e Sousa (em especial, na prosa dramática deEvocações e na poesia desencantada de Faróis); Euclydes da Cunha (antes, durante e depois de Os sertões); Alberto Rangel (em Inferno verde e em Sombras n'água, mas também em crônicas inéditas como essa "Pitoresco e estafa", de 1908, tendo como cenário, Nápoles, e como motivo, uma excursão ao Vesúvio); e Lima Barreto (quem duvida que O triste fim de Policarpo Quaresma participa desse mesmo filão disfórico?).


''Continuo, aqui, a perseguir a mesma tese: a morte de Silva Jardim, para além do relato biográfico ou do episódio trágico de jornal, foi emblemática sobre os limites da nova ordem republicana, anunciando a crise do sublime romântico como representação possível de uma natureza infinita e do poder transformador radical e utópico da linguagem. Pretendo assinalar, a seguir, que, fiel a esse utopismo romântico e revolucionário, Jardim esteve sempre fascinado, em sua vida, em seus discursos, na memória e até na morte, por experimentar as fronteiras últimas do desconhecido: abyssus abyssum evocat. Foi coerente nas escolhas, ousado nas ações, temerário na solidão. Ao lado dele, firmou-se a visão dissidente dos rebeldes radicais que permaneceram, com seus escritos, sonhos, ações e iluminações, nas margens da história, logo desconfiantes dos rumos da nova ordem republicana. Nas margens da política e da literatura oficiais. Mas essa já é uma outra e longa história.''

A república sublimada
A República por que Silva Jardim lutou ardorosamente como um dos maiores oradores populares do Brasil do século XIX (cf. Jardim, 1891; 1978), como tantos outros homens de sua geração, remonta às construções mais arcaicas e radicais do direito romano, do pensamento iluminista, dos jacobinistas e ideólogos de 1789, da idéia decidadania nacional na transição ao romantismo oitocentista entre franceses, alemães e italianos (cf. Thom, 1995); daí resultando conjunto de valores e concepções que se ancoravam de modo intransigente na defesa de um espaço público e na subordinação incondicional de qualquer mecanismo de representação política à vontade do povo.
Evidente que essa posição, de resto revolucionária e que poderia, com efeito, se encaminhar para uma perspectiva social-democrata plena, encontrou fortíssimas barreiras para se firmar na conjuntura política imediatamente posterior ao 15 de novembro de 1889. Daí o relativo ostracismo e auto-exílio prematuro de Silva Jardim em face dos militares e republicanos históricos que instalaram o novo regime. Daí que sua República vira desde logo um sonho, um projeto sublimado, grandioso e inalcançável como as paisagens que o seduziam.
A esse propósito, talvez uma das passagens mais esclarecedoras de suas Memórias sejam as páginas em que, melancólico, recorda-se de seu gabinete de trabalho, de sua biblioteca particular nos tempos da campanha republicana, convidando o leitor a um "passeio pelas suas estantes" (Jardim, 1891:214; cf. todo o trecho entre as páginas 213 e 224). Aqui, temos a sublimação por esse quase infinito parque da cultura letrada, os livros como fonte inspiradora de trabalho e prazer, mas igualmente como índices de recolhimento da solidão revolucionária :
São os meus companheiros. Os vivos dão-vos tantos desgostos que é grande consolo o contacto com estes mortos, que entretanto vos falam como se fossem vivos.
(...) só ela, a ciência, inspirada no amor social, e acompanhada da poesia, vos consola; e os mortos célebres, os grandes abnegados se vos apresentam então, bons, simples, amigos que não traem, conselheiros que não enganam (p. 222).
Mas, no trecho seguinte evoca, como faria Gonzaga Duque em livro vulcânico poucos anos depois (1898; 1905), os mártires revolucionários, dos movimentos de 1720 (Felipe dos Santos) a 1848 (Pedro Ivo), para dramaticamente sublinhar:
Animava-me com a evolução do Brasil onde não podiam medrar as instituições do privilégio, individualmente, e da tirania, já pelo 'meio' morto, celeste ou telúrico, já pelo 'meio' vivo, vegetal, animal ou humano. E o histórico das nossas revoluções gloriosas punha-me no sangue o ardor da fé que abala as montanhas (p. 223).
Para voltar, de novo, às estantes e à solidão da biblioteca, a essa comunicação sublime, transcendente de espaço-tempos, capaz de reunir saberes esparsos e aproximar a voz da poesia à da oratória, a visão da natureza à da política e à da história, república sublimada na viagem da palavra escrita e da memória:
Este, poeta, cantava a coragem dos heróis, ou os momentos de amor e de repouso na vida, ou o sorriso de ironia diante das fraquezas; este, sábio, fornecia pela contemplação da natureza as bases da convicção política que est'outro, historiador, desenvolvia na apreciação dos estadistas; este, filósofo, lançava o olhar sereno sobre os tempos, e dava a lição moral a todos. Permitam este voto de agradecimento aos imortais e queridos mestres. Todos eles me incitavam ao combate pela libertação definitiva da mais bela das Pátrias" (p. 224).
A República sonhada por Jardim funda-se nessa estranha fusão entre humanismo iluminista e revolta romântica. Sua utopia será sempre extravagante. Sua beleza não deriva contudo só da poética do sublime, mas, ao mesmo tempo, sob forma algo indivisa, de uma ética rousseauniana inquebrantável.

Sublimes panoramas
Nesta seção, de forma sucinta, para se comparar relatos paralelos, transcreverei algumas passagens que confirmam a incorporação, radical e trágica, do sublime romântico em Silva Jardim. Entre outras evidências, tais vestígios apontam para o caráter não-acidental de sua morte, isto é, o acaso eventual do desfecho de um passeio perigoso pelas bordas não recomendadas do Vesúvio foi buscado determinadamente, como desejo absoluto de transcendência da história e da natureza, o fogo maior do centro da Terra desenhando a revolução impossível, a república sublimada dormindo sob os escombros arquetípicos de Pompéia, o Brasil tão amado em fragmentos de lava estranha, a solidão e o silêncio como sonhos sofridos deste verdadeiro mestre da palavra-ação, fundador de uma República que ainda não teve lugar.
É sempre bom frisar que tal imaginário, despertado pela aventura solitária diante de paisagens sublimes, já possuía lastro forte na tradição romântica, inclusive nacional (cf. Broca, 1993; Subirats, 1986; Weiskel, 1994). Um ótimo exemplo encontra-se na interessante novela de Joaquim Manuel de Macedo, A luneta mágica (1869), quando, já no final da trama, o narrador chega até o alto do morro do Corcovado e inicia uma contemplação melancólica da cidade do Rio de Janeiro; ali, em meio à neblina, entre os véus da cerração na madrugada, não se podia de início alcançar visão mais ampla e profunda da então capital do Império do Brasil. Com os primeiros raios do amanhecer, a paisagem se descortina:
(...) Não tentarei descrever o lindo, o belo, o sublime panorama, que por todos os lados, se abriu à minha luneta mágica, as cidades e povoados, as terras e o oceano, as montanhas e os abismos, os montes e os vales, as torrentes e as pedras, o céu e os campos, a providência, e o mundo, a riqueza do favor de Deus, e a miséria da incúria dos homens!!! (Macedo, 1990:156-157).
Mas o maravilhoso atrai sempre pelo seu lado mais terrível. Nesse romance, o narrador, proibido de antecipar uma visão do futuro (a luneta, ao se insistir nessa busca, perde seu encanto mágico e quebra-se em migalhas), deseja também a morte e se prepara para o suicídio:
Ter por extrema despedida do mundo o quadro aberto do futuro próspero da pátria, seria a mais suave consolação, se eu pudesse conseguir a visão do futuro antes de suicidar-me (p. 157).
Não há futuro visível, nem utopia palpável: apenas, além do parapeito do mirante, o profundo precipício.
Inusitado paralelo pode-se estabelecer entre esta passagem e um relato de Silva Jardim presente em suas memórias, a propósito de uma rara pausa em sua caravana de propagandista: convalescente de grave moléstia que o levara a se internar no hotel das Paineiras, em plena floresta do Corcovado, narra com indisfarçável prazer alguns dos passeios que essa trégua forçada acabara por lhe propiciar. Entre as digressões intimistas que só a doença conseguiu arrancar do homem público e apenas o recuo do registro memorialístico foi capaz de fixar, há uma significativa identificação que aproxima, como produtos históricos e não naturais, as revoluções do corpo, do espírito e da sociedade:
Não! a revolução, nem a do corpo, que a nós mesmos causamos pelo trabalho ou pelo gozo excessivo, nem a do espírito que os cuidados, os desgostos ou o estudo forçado nos determinam, nem a da sociedade, que os homens criam pelos seus desregramentos e que os reformadores fazem às vezes rebentar como mal necessário, não é cousa natural. Naturais são a paz e a ordem, numa liberdade serena. Nossa infeliz natureza é, porém, talmente constituída que quando gozamos o bem-estar da saúde fatigamos o pobre pedestal do cérebro a ponto de abalarmos a sede de toda a vida, que nele se concentra, e de provocarmos de novo a doença. Eu sou dos que pensam que nós não morremos, nós suicidamo-nos (Jardim, 1891:259, grifos meus).

Mas é preciso, por assim dizer, radicalizar o passeio se se quiser alcançar o panorama mais sublime, a força telúrica e os devaneios da vontade, de que as revoluções humanas seriam antes imitações:
O Brasil, mesmo o Brasil belo pelas opulências da criação, está nessa maravilhosa cidade do Rio de Janeiro. Para vê-lo e para vê-la, é preciso subir, pela estrada do Corcovado, prodígio de arte, até o alto da montanha, até o seu pico, e daí olhar o panorama extasiante. Chamam a este monte o Corcovado; eu o chamaria o Indignado; tamanha é a atitude de vigor que toma este grito da terra, esta convulsão da natureza, arrojando ao céu a perpetuação de uma revolta no dia do parto gigantesco do continente novo, dia que a história do homem jamais consignará ao certo... Que poder estranho de força natural conseguiu erguer este gigante bruto até tamanha altura?... (p. 259-260)
É esta atração pelos limites extremos, de uma alma inquieta, grandiosa e inconformada com os próprios limites do corpo, do espírito e da sociedade num espaço-tempo determinado; de um corpo que excedia as fronteiras do razoável e do realismo prudente na busca do sublime em sua máxima manifestação material, com visões capazes de incitar à revolução e à rebeldia permanente da alma; é esta fascinação absolutamente irresistível pelas bordas da morte que acabará selando, afinal, seu destino, desfazendo-se o corpo na mais elevada integridade do sonho – sonho de um caminhante solitário:
E quem quiser o repouso num silêncio apenas cortado pelo grito de algum pássaro, siga o antigo aqueduto. Era por aí que eu passeava pelas manhãs, só e pensativo, a ensaiar minhas forças de convalescente. Uma vez, – era ao meio-dia – estendi meus passos até a Ponte do Inferno, onde vi alguma cousa de gigantesco e temível. A Ponte do Inferno é uma ponte de madeira e de ferro; os engates estão cravados na rocha que ascende à direita, e à esquerda vai descendo e descendo até o abismo, donde nos vem um rumor confuso como de gemidos surdos, que a ventania produz, subindo pela pedra, aos encontrões com a vegetação. A velha ponte estava em ruínas; por um capricho de 'touriste' atravessei os seus cento e cinqüenta metros, agarrando-me aqui à calha que se estreitava, ali a um galho de árvore ou a uma moita de arbustos. Embaixo, muito embaixo o Jardim Botânico ostentava a sua flora.
(...) passaram o resto do dia a censurar-me a imprudência. Mas eu tinha visto alguma cousa de extraordinariamente belo, que só se vê uma vez na vida, nas poucas horas de lazer que a existência atribulada nos deixa (p. 260-261).
Na crônica fúnebre, publicada por Pinheiro Chagas no jornal O Paiz logo após a morte de Silva Jardim, em julho de 1891, há clara referência a esse encanto incontrolável produzido por abismos naturais sobre o revolucionário da República, relatando-se outra cena análoga ocorrida pouco tempo antes da tragédia do Vesúvio, em Cascais, Portugal, num conjunto de penhascos à beira-mar conhecido como Boca do Inferno. Num passeio feito até lá, com o escritor Fernandes Costa, embora advertido sobre o extremo perigo, Jardim saltara pelos vãos da fímbria dos penedos, desafiando o espaço vazio e a fúria das ondas. O cronista ressalta o caráter regressivo, algo arcaico dessa morte no Vesúvio (relembra Empédocles, no Etna, e Plínio, o Velho, no mesmo Vesúvio que soterrou Pompéia, Herculano e Stabia), isso já em plena era do progresso industrial e das ferrovias. E conclui sua homenagem:
Quando se submergia, viram-no os seus companheiros tapar os ouvidos com as mãos como se escutasse um ruído medonho. 'O ouvido atento', diz Soares de Passos, 'no silêncio das campas nada escuta.' O que ouviria ele naquela enorme rampa rugidora, que foi há dezenove séculos o túmulo de Plínio? (apud Jardim, 1891:453-458)
Talvez, nesses sublimes panoramas que tanto o atraíram e mataram, Silva Jardim, fiel a seu nome, olhasse e ouvisse, devaneadoramente, não só a infinitude sempre assustadora do deserto, o incomensurável de toda selva, a prata melancólica de uma lua sem fim, mas também, em algum meandro inatingível à vista comum, a possível simetria de um jardim, o recorte da arte moderna e pública da criação de parques, a composição, no meio de silvos e selvas medonhas, de um recanto humanamente reconciliado, de cidades habitáveis e praças agitadas, entre notas de um belo hino republicano.
Mas esse já é um exercício especulativo. Essa possível visão está morta, junto com seu visionário. Nossa república prosaica de cada dia é bem mais feia, injusta, excludente e particularista; nem chega a ser completamente pública. Perdeu, de há muito, no jogo cego das forças do mercado, qualquer fundamento moral. Seus acordes redundaram em harmonia de jingle. Não oferece, portanto, os sublimes panoramas buscados pelo autor de Memórias e viagens. Não é a utopia republicana radical que sua voz vulcânica anunciou, em várias praças e horas, em peregrinação vertiginosa, pelos quatro cantos do país e que se interrompeu, repentinamente, na voragem estrondosa de um vulcão.
Francisco Foot Hardman é professor na área de Literatura e Outras Produções Culturais do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor, entre vários artigos e livros, de Nem pátria, nem patrão: vida operária e cultura anarquista no Brasil (1983) eTrem fantasma: a modernidade na selva (1988).
Via: SciELO - Scientific Electronic Library Online

       
      Ana Margarida, Silva Jardim e o filho mais velho, Antônio
                   Coleção Artur Cerqueira, São Paulo/SP, in Grandes Personagens das Nossa História
"7 horas da noite. Tinha rapidamente depositado um beijo sobre a fronte da minha mulher, olhado em despedida os meninos, revisto um instante todo o meu assunto e toda a situação, numa espécie de concentração mental dissimulada, e saíra.
"Quando, um quarto de hora depois, entramos alguns no Teatro Guarany, encontrei já o espaçoso salão da platéia repleto de uma enorme massa de todos os partidos, classes, posições, fortunas e nacionalidades...
"Era a primeira vez que me achava diante de um tão grande auditório. Uma dezena de amigos estava comigo no palco, outros vinham alternadamente apresentar-me seus cumprimentos.
"Quanto cheguei à tribuna, e olhei a multidão, senti esse inexplicável acanhamento que sente o homem diante da superioridade do povo que representa a Pátria; é essa invasão insensível da alma popular na alma do orador que estabelece a simpatia entre este e os ouvintes. Fui recebido por uma chuva de aplausos, sem nenhum protesto; e enquanto cada um se preparava para ouvir e o silêncio se fazia, senti-me suavemente aquecer ao calor da animação popular, sem perder a serenidade necessária para a sondagem contínua da impressão que as palavras produziam, e para não cair em divagações ou perder-me, esquecendo a filiação dos assuntos.
"E eis-me agora só, diante de todo o público, tímido a princípio, e aos poucos animando minha voz à proporção que sentia o olhar geral de aprovação...
"Pouco a pouco, o público se anima, anima-se o orador, e daí por diante segue-se o discurso, durante horas, ora movimentado pela sátira, ora serenado pela demonstração, ora exaltado pela apóstrofe; segue coberto de interrupções, de aplausos entusiásticos, de risos estrepitosos, que dificultavam a mesma exposição. Levados pelo contágio, muitos monarquistas haviam rido à vontade, acompanhando o combate e o ridículo às mesmas instituições que diziam sustentar... Terminei, propondo a moção de apoio ao ato dos vereadores de São Borja, e o protesto contra o ato do governo imperial.
"Aplausos prolongados tinham coberto a moção. A causa estava ganha, e o primeiro meeting republicano realizava-se sem que o trono se animasse à violência. Estava tirada a prova real. Os republicanos podiam animar-se a um combate mais ativo".
                        

Significado do SobreNome Jardim

O nome Jardim é de origem Português e significa da REGIÃO DE FLENDES, ESPANHA PASSOU A PORTUGAL AFONSO ESTEVES JARDINS, DE NOBRESA FLAMENGA E QUE CONSTITUIU SOLAR E VILA EM SOLAR FORMOSO. SEU FILHO PRIMOGÊNITO DIOGO JARDIM, CASANDO-SE COM UMA SOBRINHA DO REI ADQUIRIU POR DIREITO DA FAMÍLIA O BRASÃO DE ARMOS, PORÉM O FEZ TAMBÉM POR MÉRITOS PRÓPIOS POIS COMO CONSELHEIRO REAL REPRESENTOU MUITO BEM O REI DE PORTUGAL DOM JOÃOII NO TRATADO DAS TORDESILHAS.COMENDANDOR DA ORDEM DE CRISTO, DA ORDEM DE SANTIAGO, TEVE CONFIRMADAS SUAS ARMAS POR DOM MANUELI, REI DE PORTUGAL.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deposite aqui sua idéia